domingo, 11 de novembro de 2007










A CRIAÇÃO DE HERÓIS - SALADINO E BIN LADEN
Angela Lima


Ao lançarmos nosso olhar ao passado, observamos que as crenças exerciam papel fundamental na vida dos indivíduos. A igreja sempre influenciou as ações individuais, políticas ou do Estado, de maneira que os que discordavam racionalmente de seus pontos de vista dogmáticos, naqueles tempos, simplesmente não eram considerados ou corria o risco de sofrer os suplícios da Santa Inquisição. O que outrora custou à vida de centenas de cientistas, alquimistas, rosacruzes e filósofos que discordavam racionalmente da Igreja, é hoje aceito com certa naturalidade.
Da mesma forma, os heróis do passado talvez não fossem assim considerados se inseridos no atual contexto e o inverso reflete a mesma lógica. Muitos valores sofreram modificações e outros permaneceram com profundas raízes, e em vários casos sem uma explicação racional ou ao menos embasada conceitualmente. Contudo muitas crenças a pesar das mudanças permanecem mutáveis mesmo com o avanço da ciência e a modificação da percepção humana.
Todos os povos do mundo, agora falando de etnocentrismo, se consideravam superiores a todos os outros povos. Esta é uma idéia universalmente difundida e, uma vez que o avanço das técnicas, particularmente no que dizem respeito ao poder bélico, os vencedores são sempre aqueles que dotados de uma maior capacidade de destruição, tornam-se os donos da verdade histórica. Isto tem sido motivo das mais variadas formas de intolerância ao longo da história humana, onde se encontram igualmente diversas formas de discriminação. Aqui interessa-nos a incapacidade de tolerar a fé ou a religião do outro ou mesmo aceita-la como válida.







Dentro de toda a narrativa, existe a figura daquele que é exaltado dentro de suas ações, e visto como herói. A história, é de conhecimento de todos, produziu diversos heróis ou figuras e de grande carisma. Em se tratando das lutas pela Terra Santa podemos citar dois grandes expoentes, um daqueles tempos que as informações são em muito distorcidas, e outro dos dias que correm igualmente com a sua imagem. Talvez não em sua totalidade, mas em muito narrada atendendo aos interesses de seus inimigos.
Apesar da grande distancia temporal entre eles, podemos tecer inúmeras comparações. Segundo a ordem de surgimento e de lugar histórico, citamos: Sala Al-Din Yusuf ibn Ayyub, o Saladino e Osama Bin Laden.
Também chamado de Al-Malik An-Nasir Salahuddin Yusuf, Saladino nasceu por volta de 1137 d.C. em Tikrit, Mesopotâmia. Oriundo de uma família curda, crescendo em Badbeck e Damasco, Saladino foi um jovem com um grande gosto pelos estudos religiosos que sobrepujava o treinamento militar. Iniciou sua carreira ao lado de seu tio Asad ad-Din Sherkuh, um grande comandante militar. Depois de sua morte, Saladino, então com 31 anos, foi indicado comandante dos soldados sírios no Egito e vizir do Califado Fatimida. Sua rápida ascensão se deve aos seus talentos, recebendo o título de rei (Malik), embora fosse mais conhecido como sultão. Sua situação se fortaleceu quando em 1171, aboliu o Califado xiita Fatimida, proclamou o retorno do Islã sunita ao Egito e se tornou o seu único governante. Tinha como grande objetivo unir sob sua bandeira, todos os territórios mulçumanos da Síria, do norte da Mesopotâmia, da Palestina e do Egito. Tudo isto realizado com sua habilidosa diplomacia e sempre que precisava, com o uso da força militar. Assim cresceu sua fama de homem generoso e virtuoso, porém um governante de pulso firme.
Em contraste com a dissensão e grande rivalidade que haviam dificultado a resistência dos mulçumanos aos cruzados, encontrava-se o singelo objetivo do sultão Saladino, que os induziu a se rearmarem física e espiritualmente. Seus atos foram inspirados por sua intensa devoção de Jihad contra os cruzados cristãos. Incentivar e encorajar o crescimento e expansão das instituições religiosas mulçumanas era parte essencial de sua política. Soube estabelecer boas relações com seus sábios e pregadores, construiu faculdades e mesquitas para seus usos e os autorizou a escrever obras, principalmente sobre a jihad. Através da regeneração moral, tentou recriar em seus domínios o mesmo zelo e entusiasmo que haviam sido tão valiosos às primeiras gerações de muçulmanos quando séculos antes conquistaram metade do mundo até então conhecido.
Saladino obteve êxito militar graças à união e a disciplina de forças ingovernáveis, para ele tidas como mais importantes do que o emprego de novas técnicas militares. Lutou inúmeras vezes, vencendo em muitas delas. A reconquista muçulmana de Jerusalém em 1187, depois de 88 anos em mãos dos francos, foi marcada por um comportamento civilizado e cortês de Saladino e seus soldados. A tomada de Jerusalém provocou comoção na Europa, resultando na Terceira Cruzada (Cruzada dos Reis).
As proporções da mobilização cristã e seu posterior fracasso (empate) só fizeram aumentar o prestígio mítico do sultão, inclusive no ocidente. Em 1192, a Terceira Cruzada terminara com a partida de Ricardo Coração de Leão para a Europa. Contudo na volta à capital, Saladino encontrava-se com a saúde abalada pelas duras campanhas e morreu em Damasco, na Síria em 4 de março de 1193, com 55 anos deixando 17 filhos. Foi grandioso, respeitado e um dos mais famosos heróis muçulmanos.
Continuando a caminhada histórica dos conflitos entre cristãos e muçulmanos, porém tomando uma vertente atual do assunto surge-nos um outro nome, porém com algumas ressalvas em comparação ao sultão Saladino.
A imagem do saudita Osama Bin Laden assume em muitos países islâmicos, contornos de um autêntico Robin Hood, um justiceiro da causa árabe. Porém seus inimigos o vêem de forma diferente. É considerado um exemplo do Islã e da causa árabe por muitos cidadãos da Arábia Saudita. Assim como o sultão egípcio, Bin Laden se transformou num ídolo já que é o único – segundo essa visão – que se atreveu a dar um duro golpe em uma superpotência mundial.
Bin Laden era um menino rico, mas sem objetivos na vida, sentia-se excluído da família e com 10 anos ficou órfão de pai e com uma herança de 300 milhões de dólares. Recebeu educação de tutores e sempre foi um aluno brilhante. Durante a faculdade de Engenharia que cursava na Arábia Saudita, resolveu aprofundar-se nas aulas de islamismo. Um de seus professores – que viria a ser um dos fundadores da organização terrorista Al-Qaeda – o convenceu a partir para o Paquistão e conhecer os líderes da resistência muçulmana, na sua volta tentou convencer os seus familiares a financiar uma mujahidin (guerra santa).
Encontrou na causa muçulmana razões para viver e passou a desembolsar fortunas para compra de armas e sustentar os guerrilheiros. Foi nessa época que ajudou a fundar a Al-Qaeda ou a Base, uma espécie de centro operacional para extremistas islâmicos. Participou de inúmeros combates, e a guerra o endureceu, foi ficando cada vez mais indignado com a corrupção do regime saudita. Principalmente com a recusa do governo quanto a sua oferta de defesa na ameaça de Saddan Hussein de uma invasão. Ao invés disso, o governo saudita convida as tropas americanas. Como vários muçulmanos, Bin Laden ficou ofendido pela presença dos soldados americanos com seus costumes tão diferentes.
A Arábia Saudita tem posição de respeito entre os paises Islâmicos por ser o berço do Islã e pais que abriga Meca e Medina, que são proibidas para não-muçulmanos. Quando Bin Laden começa a expor sua revolta com o governo é perseguido e condenado a confinamento em Jiddah. Foge refugiando-se na Sudão, onde encontra um governo de radicais muçulmanos, que pregavam a derrubada dos regimes seculares no mundo árabe e a instauração de governos puramente islâmicos. Envolveu-se em diversos conflitos no Sudão e também estabeleceu rentáveis e ajudou a construir estradas e aeroportos.
A pressão diplomática exercida, entretanto pelos Estados Unidos obrigou o Sudão e expulsar Bin Laden, que voltaria para o Afeganistão sob a proteção do movimento Talibã. É lá que se sente em casa, vivendo entre a pobreza e o ascetismo, este herói medieval trava uma incrível guerra solitária contra a maior potência mundial. Também é acusado de ter tramado os atentados às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, em 1998 que deixaram mais de 200 mortos.
As poucas pessoas que o conhecem o descrevem como um homem modesto e tímido, contudo capaz de iniciar sua cruzada para tentar tornar o fundamentalismo uma força no Oriente Médio e destruir os Estados Unidos, como sempre acreditou ser possível. E assim conseguiu chegar as Torres Gêmeas, porque os americanos o menosprezavam e graças a uma rivalidade entre a CIA e FBI, Bin Laden conseguiu que seus homens se infiltrassem para a realização de seu principal ataque terrorista, realizado no dia 11 de setembro de 2001, a destruição do World Trade Center, causando a morte de milhares de pessoas.

Dentro desta perspectiva, pode-se salientar, tanto Saladino quanto Bin Laden surgiram como personagens históricos na luta pelo ideal da causa árabe, com intuito de manter a unidade da fé muçulmana dentro de seus territórios. Claro que com vertentes em muitos diferenciadas, mas com uma proposta de união dos povos muçulmanos e suas tradições. Revivemos dentro desta narrativa o conflito ainda existente entre Ocidente e Oriente, num momento particularmente delicado depois do ousado ataque de Osama Bin Laden às torres gêmeas de Nova York, e da guerra do Iraque. Não diferente da Idade Média, o confronto entre culturas, com fanatismos de ambos os lados, numa época em que o Ocidente encontrava-se mergulhado na Idade das Trevas, enquanto o Oriente progredia, a luta pela Terra Santa hoje assume características muito mais capitalistas do que religiosas, por parte do Ocidente. No alcorão está escrito que quem salva uma vida salva a humanidade e que Deus não mudará a condição dos homens se eles não mudarem o que está neles. A verdade é que homens continuaram a lutar por esta causa, com o sonho de que o Islã seja tido como o caminho para a paz.

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